segunda-feira, 21 de maio de 2012

Hiroshima meu Amor



Cruz


O maior das obras apresentadas na Fundació Tapiés representam o que é mais popular na obra do artista catalão, telas grandes com fundo branco manchadas por traços marcadamente negros, que multiplicam a gestulalidade inserida pelo artista. (Se) são abstractas, neo-abstractas, simbolistas, neo-simbolistas, se são trabalhos que procuram instalar na consciência uma nova ordem ao signo (mas Tapiés fa-lo de sempre de forma composita), tudo é possivel, isto, se for mantida a condição verbal.
Uma das obras é uma cadeira de madeira que tem sobre si um incontável numero de panos velhos, fortemente influenciado por Robert Rauschenberg, aliás este artista americano devera ter sido a porta para Tapiés abandonar os trabalhos de tinta de tinta china do início da sua carreira, que são meramente geométricos, aparentemente tenta agilizar o discurso e estiliza-los, mas é em vão. E os trabalhos a óleo sobre tela, de formato pequeno/médio, ainda estão carregados de formnalismos simbólicos tão cliché quanto kitsh.
Há ainda diversas esculturas em barro, uma é um sapato gigante, as outras são peças de médio porte, filiadas a um grotesco introvertido.
No andar superior, onde há um terraço, há um pé que calça uma meia brança com uma cruz preta que poderá representar o sacrifício do peregrino, tem seis metros de altura e é um protótipo que iria ser colocado num lugar público de Espanha, mas que foi rejeitado pelo respectivo ajuntamento.

Fundação Tápies- Barcelona

Persona

Na Fundació Miró o que prevalece do enorme acervo é a repetição de uma dinâmica discursiva: os fundos têm um ritmo especifico, estático, e é partir desta base que constroi as suas obras, seja de forma minimal, uma mancha que segue o circular do pincel às quais denomina de “personagens”, ou, de forma explosiva, onde as cores se sobrepõe até formarem formas abstracto-concretas. Esta ambiguidade é uma constante no acervo da Fundação, saber o que remete para o caos ou para harmonia, para o conciente ou inconsciente, para beleza ou para fealdade, a duvida é de tal forma corrosiva que se torna profundamente sedutora. A certreza que gradualmente se instala é a de que deveria conhecer a obra de Freud, já a que forma como procura introduzir o espectador nas suas obras é questiona-lo sobre o seu papel na sociedade, e ao faze-lo revela-lhes a angustia que provoca a existência, particularmente quando esta ganhou uma dimensão de vazio em 1945 ao explodir em Hiroshima a primeira boma atómica. Há uma obra em particular, que é papel armado num gradeamento, o artista incendiou-a e deixou arder, o que revela é uma cruz, a mesma que Tapiés transportou ao longo da sua vida.

Fundação Miró- Barcelona


100 anos


“100 anos de Arte” é o slogan do Museu Nacional d'Art de Catalunya, inserido numa estrutura neo-classica construida em 1929, para exposição de arte de Espanha. São 100 anos que podem ser vistos em aproximadamente três horas, Tiziano, Él Gréco, o retábulo, a escultura, baixos relevos, fotografia. Agrupadas por géneros estécticos como: Romanico, Gótico, Renascimento e Barroco este ultimo núcleo era pertença da colecção Tyssen-Bornemisza. Por géneros: numismática, desenhos, fotografia. O acervo do museu é de uma qualidade abissal, quer no valor das peças, na sua manutenção, na iluminação, na conjugação de cada núcleo histórico, e nos respétivos textos explicativos que acompanham as obras. Adequado, a visitas de estudo por parte de jovens de História de Arte.

Museu Nacional da Catalunha- Barcelona


Meninas

O Museu Picasso apresenta vários nucléos, os primeiros passos deste artista, isto é, quando ainda tinha 12 anos, nesta fase o que impera é o naturalismo e o retrato, realizados de forma minuciosa, aproximamdo-se da perfeição.
O núcleo onde se encontram os trabalhos que realizou para jornais, maioritariamente caricaturas, cromos. Estas obras resultam do abandonado a casa dos pais, estes estavam contra o facto de Picasso ter abandonado o curso de direito e ter seguido a vida artística. Nada a declarar, estão assinados por Picasso, podiam ser de outro autor qualquer? Podiam! Picasso quando persegue os formalismos de uma determinada estética, transforma-se em algo entediante, pois não emerge o génio que rompe as fronteiras da tela.
Há uma outra fase em que Picasso retrata as figuras de Paris, aproximando-se do pós-impressionismo de Toulouse-Lautrec, talvez seja um pouco mais exuberante na forma e nas cores, mas os temas entre os dois artistas são semelhantes: prostitutas, alcoólicos, marginais, donos de bares e restaurantes.
A fase azul é onde se começa assumir um Picasso ousado, que se liberta de influencias externas e cria um conceito que passa por apresentar uma figura seja um rosto ou uma paisagem e posteriormente colocar-lhe um azul fusco. Algo que as impregna de uma poesia transgressora, como se filtro fosse o condutor do estado emocional dos seus objectos de trabalho.
O núcleo que tem um valor incomensurável são as versões realizadas a partir das “Meninas” do Goya. Por se tratarem de decomposições a partir de diferentes planos sobre a obra prima de Goya, por a decomposição ter sido realizada a partir do cubismo, o que nos obriga a ve-las de uma forma constante e de diferentes angulos. A relação entre estes trabalhos e o original é o tema e as perspectivas cruzadas, que impedem o cérebro de estabelecer níveis de correspondencia e o olhar perde-se na procura de algo em que se possa apoiar. O resultado é desconcertante, como se um cientista se houvesse decidido a dividir uma particula na procura de um elemento que lhe desse a descrição de um organismo.
A transmutação estética de Picasso, muitas das vezes passando para estéticas opostas à que anteriormente explorou, revelam um artista que tinha total domínio sobre a matéria que ao altera-la, compondo-a, destruido-a, transformando-a em algo que jamais havia sido visto por outrém, até ao segundo em que assina o quadro.


Museu Picasso- Barcelona


Photo(s)


As fotografias são de tamanho pequeno, todas elas têm o mesmo formato: rectangulares. O tema é o trafico de droga, em especial o mais violento e vil, que vitima milhares de pessoas por ano no México. Há cabeças tatuadas, mulheres que se prostituem aos capos, homens a snifar coca, mulheres com metralhadoras junto a carros de alta cilindrada, homens baleados... Quando chegado a esta fotografia questiono-me da veracidade da exposição, versa o quê afinal? A realidade pura e dura dos carteis da droga? Ou será que estou a ver uma encenação? Há dois níveis narrativos: a ficção, em que se vêem as câmaras de filmar, que estão a rodar uma pélicula; e a realidade em que segue a policia faz rusgas, entra em instalações muradas, ou mulheres colocam farinha sobre manchas de sangue que se encontravam no alcatrão. É esta ambiguidade que torna exposição interessante, a questão da ficção versus realidade e a eterna questão: qual das duas vertentes é a que imita a ficção ou a realidade. De realçar as cores quentes da “Narcocultura”, a convidar um olhar pausado mas simultaneamente a dar a “temperatura” ambiente onde ocorrem os crimes.

“Narcocultura”, Shaul Schwarz, integrada na colectiva “Más Fotoperiodismo: Visa pour l`image—Perpigang”, de 1 de Março a 28 de Maio, Centro Cultural de Arte Contemporânea de Barcelona.

“Los caminos de La Revolucion” revelam imagens da revolução da Primavera arábe, mais precisamente na Siria. Como qualquer revolução há inumeros paradoxos que a caracterizam: há sangue, fogo, mortos, pessoas a gritar e a rir, cadávares, bandeiras a arder. A narrativa apresentada por Yuri Kozyrev, é o de uma nação que se encontra à deriva por rejeitar a ditadura que os governou durante décadas e que os escravizou dando as mãos à religião muculmana. O registo fotográfico, procura a partir da relevância que da à parte, representar a vontade de um povo, fugindo pontualmente à reportagem de guerra, pois apresenta diversas figuras numa gestualidade simbólica, como se— mesmo quando estão a matar—estivessem a rezar por um fim feliz que foi-lhes prometido pela liberdade que se encontra à distancia de um clike na internet.

“Los Caminos de La Revolucion”, Yuri Kozyrev, integrada na colectiva “Más Fotoperiodismo: Visa pour l`image—Perpigang”,
de 1 de Março a 28 de Maio, Centro Cultural de Arte Contemporânea de Barcelona.


Duplos

Na CaixaForum encontra-se uma dupla separada por cem anos de existêcia Goya e Delacroix, mas unidos através do romantismo. O primeiro apresenta diversos retratos, na sua maioria delineados a partir da lógica do claro escuro. Assim, como Delacroix, este que tinha como referência máxima Goya, tem trabalhos de corpo inteiro, levando o conceito ao extremo. Ambos apresentam cenas bíblicas, aliás este livro foi fonte para a imaginação de muitos artistas plásticos que encontravam na sua leitura um mundo esotérico que posteriormente exploravam. As obras mais interessantes de Delacroix exibe tigres a atacarem cavalos, o que importa é o movimento que se estabelece, e a lógica peso versus velocidade que o tigre imprime sobre o cavalo. Uma das obras mais arrepiantes de Goya, apresenta diversos náufragos que conseguiram subir para um barco de dimensões reduzidas que constava no Galeão para quando fosse necessário visitar uma ilha. Um dos sobreviventes faz a contabilidade de quantos se encontram a bordo e realiza o levantamento de quem é o próximo a ser morto para alimentar a tripulação. Mas há um ponto na obra de Goya que não encontra eco na obra Delacroix, que são as gravuras que tiveram origem nos pesadelos do artista. Apresentam um ser antropomórfico que corresponde a um burro, que ao usar a gestualidade de um humano está representa-lo, e assim realiza diversa criticas à sociedade: a pedófilia praticada pelo clero, a abundância e a ignorância da nobreza, o poder da realeza e a sua iletracia. As pequenas gravuras são grandiosas porque estabelecem uma nova forma de comunicar com o espectador: este reve-se no burro mas simultaneamente rejeita-o, e se nos atermos que são datadas do século XVIII, revelam uma sociedade que se movimentava unica e exclusivamente pelo interesse, esquecendo ou ignorando outros valores que deveriam ser cultivados pelo homem.


“Luzes e Sombras”, Goya, CaixaForum Centre Social e Cultura, de 16 de Março a 24 de Junho.
Delacroix, CaixaForum Centre Social e Cultura , de 15 de Fevereiro a 20 de Maio.

Teatro

Josep Roca I Bros foi o responsável pela transformação de um antigo teatro, na cidade de Figueras, em Teatro-Museu Dalí. Visto do lado de fora vêem-se torres e uma ogiva de vidro, as paredes da primeira são vermelhas com pães a pontuar as paredes, no cimo há ovos gigantes. Na entrada, mas ainda no exterior, há um gradeamento em ferro circular que protege as esculturas e em que consta a seguinte inscrição: “El pensment català rebrota sempre I sobreviu als seus il-lusos enterradors”. No interior da cerca, há raizes que trepam por um busto em pedra ao qual se sobrepõe uma cabeça em bronze. Atrás destes, há um corpo de pedra de dimensões maiores que o(s) busto(s), que tem no peito um baixo relevo, a partir daqui delineia-se uma figura tutelar de manto branco e com a mão direita a tocar na sua cabeça oval, como um pensador embrenhado em alucinogénios, ou, nos estivesse a alertar para o facto que uma vez entrados no mausoléo de Dalí, jamais voltaremos a ser os mesmos? Uma e outra são respostas que devolvo a quem tiver coragem de ver este Teatro onde a persona tutelar é um homem que agrega em si um universo onde imperam violações à consciência humana.
No interior há escultura, instalação, salas tematicas como é o caso da Mae West, desenho, jogos de espelhos, cama, gravuras, aguadas, colagens, baixo-relevo, cartazes de touradas, fotografias do Rei de Espanha, jóias, o túmulo de Dalí, o carro de Dalí, a sua musa e esposa Galá é uma segunda alma a passear pelos corredores do Teatro. Tudo em Dalí é magnânimo e extravagante, as figuras que ocupam os nichos do interior ou os grotescos, que pretendem comunicar com o visitante através de um silêncio arrepiante. Mas o que mais surpreende na obra de Dalí é a sua técnica, que pode ser avaliada nos desenhos, que é de tal forma supra-humana que é impossivel especificar os dias ou as horas que dedicou a cada obra para atingir a perfeição. O génio é aquele que é capaz de desafiar, primeiramente os que se encontram no pedestal da genialidade, ao derruba-lo, só lhe resta desafiar o seu próprio génio. E é nesta perspectiva que se deve ver Dalí, um homem no seu labirinto, que obra após obra vai aumentando o enigma e a partir do qual não pretende salvar-se ou sacrificar-se para se levantar de seguida. Há uma obesessão que versa construir uma perspectiva e na pincelada seguinte uma contra perspectiva, mecanismo que explora recorrentemente para deformar a visão do espectador e este sentir-se na terra do nunca. Muitas vezes esta solução redunda num espaço vazio e desta forma Dalí entra no inconsciente dos espectadores de forma consciente, segregando as imagens que bem entende. Se ainda não referi que a estética dominante é o surrealismo, apesar de no teatro constarem obras de outras fases do artista catalão, é porque me pareceu despropositado. A obra de Dalí corresponde a um universo de tal forma vasto e diverso e em que os actores convocados para esta dramaturgia têm que incorporar as linhas gerais do sacrifício, e assim corresponder às exigências do encenador Salvador Dalí.

Teatro-Museu Dalí- Figueras